Substância derivada da maconha tem sido apontada como um possível tratamento para o TEA
Um assunto que veio à tona recentemente foi os possíveis benefícios da cannabis e seu principal componente não intoxicante, o canabidiol (CBD), para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estudos preliminares apontam um possível uso do CBD para ajudar com diversos sintomas, de problemas do sono a hiperatividade e raiva. Mas antes de tudo, é preciso entender melhor o que é o canabidiol e o que a ciência já sabe com certeza sobre o seu uso como remédio.
A planta chamada de maconha, a Cannabis sativa (C. sativa), possui mais de 100 substâncias na sua composição. O interesse científico inicial sobre a erva ficou concentrado no THC, que é o elemento psicoativo da maconha – o que faz as pessoas sentirem alucinações, ansiedade e paranóia. Estes efeitos do THC são o principal argumento usado para a proibição do cultivo legalizado da maconha, o que sempre dificultou as pesquisas neurobiológicas com a planta.
Por isso, durante muito tempo, os usos clínicos aprovados da Cannabis foram limitados a um pequeno número de condições específicas, como o tratamento para dor na esclerose múltipla e a estimulação do apetite de pacientes com AIDS e que passam por quimioterapia.
Canabidiol mostra potencial para tratar ansiedade, psicose e epilepsia
Mas, recentemente, pesquisadores voltaram a atenção para o canabidiol (CBD), que é um dos elementos da maconha sem efeitos lisérgicos. Os resultados foram encorajadores. O CBD é a segunda substância mais abundante na Cannabis – atrás apenas do THC – e há cada vez mais evidências do seu potencial para o tratamento de sintomas de distúrbios neuropsiquiátricos, como dependência, ansiedade e psicose, distúrbios da mobilidade e epilepsia.
No caso dos estudos com canabidiol em pessoas com autismo, os indícios são muito positivos. Um estudo realizado em outubro de 2019 analisou os efeitos do extrato de cannabis sativa enriquecido com canabidiol puro (CBD) nos sintomas do TEA. Quinze pacientes autistas aderiram ao tratamento, sendo 10 não epiléticos e 5 epiléticos. Até o nono mês de tratamento, a maioria dos pacientes, dos dois grupos, apresentou algum nível de melhora nos sintomas. As melhorias mais significativas foram relatadas para convulsões, TDAH, distúrbios do sono e déficits de comunicação e interação social.
Outra pesquisa, de setembro de 2019, analisou como o uso do canabidiol poderia mudar a atividade cerebral de uma pessoa. Para isso, 17 pessoas com TEA e 17 sem TEA consumiram CDB e foram submetidos a uma ressonância magnética. Os exames mostraram que o CBD aumentou significativamente a atividade em alguns locais específicos do cérebro nos participantes com o TEA, mas não provocou alterações relevantes nas pessoas sem TEA. Estes dados indicam que o CBD tem a capacidade de alterar a atividade cerebral em regiões implicadas no TEA.
Cientistas ainda precisam entender os efeitos do uso de longo prazo do CBD
Uma publicação de maio de 2019 comparou efeitos do canabidiol nos sistemas de excitação e inibição do cérebro. Para isso, 17 pacientes com TEA e 17 sem TEA passaram por uma espectroscopia de ressonância magnética (MRS). Em todas as regiões cerebrais estudadas, o canabidiol aumentou a inibição nas pessoas típicas, enquanto os autistas apresentaram menos inibição. Isto sugere que os sistemas de inibição e excitação (também chamados de sistema glutamato-GABA) dos autistas respondem de forma particular.
Um quarto estudo, de janeiro de 2019, se concentrou nas crianças autistas. A hipótese testada era o uso oral de canabidiol como auxiliar no tratamento de sintomas do TEA e comorbidades. Ao todo, 53 crianças entre 4 e 22 anos receberam canabidiol por em média 66 dias. Os ataques de automutilação e raiva melhoraram em 67,6% e pioraram em 8,8%. Os sintomas de hiperatividade melhoraram em 68,4%, não mudaram em 28,9% e pioraram em 2,6%. Os sintomas de problemas de sono melhoraram em 71,4% e pioraram em 4,7%. A ansiedade melhorou em 47,1% e piorou em 23,5%.
O que estas pesquisas nos revelam sobre o canabidiol e o TEA? Que o panorama é o mesmo dos estudos com CBD para outras condições: há evidências animadoras, mas os cientistas ainda precisam percorrer um caminho maior até se desenvolver um remédio seguro.
A maioria das pesquisas ainda abrange grupos pequenos de pessoas, o que não permite entender como a substância se comporta em diferentes organismos. Falta esclarecer também os possíveis efeitos adversos e as consequências de uso de longo prazo, além desvendar exatamente como as partes do cérebro alteradas pelo CBD afetam os comportamentos do autista.